quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Comissão da Verdade apresenta o relatório dos 31 meses de trabalhos

Afirmou que a violação dos direitos humanos foi política de Estado. E defendeu punição para os responsáveis ainda vivos, apesar da Lei da Anistia.

A Comissão Nacional da Verdade entregou à presidente Dilma Rousseff o relatório final, em que afirma que a violação dos direitos humanos foi uma política de Estado, da ditadura militar. A comissão responsabilizou 377 pessoas. 

O relatório da Comissão da Verdade, com 2 mil páginas, foi entregue à presidente Dilma Rousseff na presença de parentes das vítimas do regime militar. A comissão trabalhou durante dois anos e sete meses. Ouviu 1.200 testemunhas, entre agentes da repressão e vítimas da ditadura, que durou de 1964 a 1985. Identificou 230 locais onde ocorreram torturas e assassinatos de opositores do regime.
Segundo a comissão, as violações aos direitos humanos foram uma política de Estado, para aniquilar a oposição. A investigação apontou 377 autores das violações, distribuídos em uma cadeia de comando.
No topo, estavam os presidentes, ministros militares e comandantes dos órgãos de informação. Foram eles que, segundo a comissão, definiram a doutrina de repressão. Todos os presidentes do regime militar são citados: Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo.
Abaixo, estavam os comandantes das unidades onde as violações foram executadas. E havia ainda os autores diretos das torturas, execuções e desaparecimentos forçados. Entre eles, militares, delegados das polícias Federal e Civil, policiais militares e médicos legistas, que assinaram laudos de morte falsos.
A comissão também identificou vítimas: 191 mortos e 243 desaparecidos. Entre eles, estudantes, sindicalistas, operários, trabalhadores rurais, jornalistas, políticos, líderes religiosos.
A presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante o regime militar, se emocionou ao falar dos que morreram na luta contra a ditadura.
“Estou certa que os trabalhos produzidos pela comissão resultam do seu esforço para atingir seus três objetivos mais importantes: a procura da verdade factual, o respeito à memória histórica e o estímulo. Por isso, a reconciliação do país consigo mesmo por meio da informação e do conhecimento. O Brasil merecia a verdade. Que as novas gerações mereciam a verdade. E sobretudo, mereciam a verdade aqueles que perderam familiares, parentes, amigos, companheiros. E que continuam sofrendo, continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia”, diz a presidente da República Dilma Rousseff, emocionada.
A Comissão da Verdade faz 29 recomendações ao Governo. Entre elas: que as Forças Armadas reconheçam, de forma clara e direta, sua responsabilidade pelas graves violações de direitos humanos; a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe de 64; a continuidade das buscas aos restos mortais de desaparecidos; e a abertura de arquivos da ditadura.
Em apenas uma recomendação não houve consenso. E ela foi aprovada por maioria, não por unanimidade. É a que considera que os violadores de Direitos Humanos que estavam a serviço do Estado devem ser punidos pela Justiça porque no caso deles os efeitos da Lei de Anistia não seriam válidos. A lei foi aprovada em 1979, pelo Congresso, beneficiando de forma recíproca tanto os agentes do Estado quanto os que aderiram à luta armada contra a ditadura.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal confirmou, por maioria absoluta, a validade da Lei de Anistia ao julgar uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil. Dos seis integrantes da comissão, cinco defendem a punição por considerar que violações aos Direitos Humanos são crimes contra a humanidade e imprescritíveis.
“Não me parece que nós temos que fazer revisão da Lei de Anistia. Mas proclamar que a anistia não se estende aos agentes do Estado que praticaram excessos e violências contra aqueles que se opuseram. Acho que essa questão é que é importante. Não se trata de rever a lei. Mas dizer que ela é inaplicável para reconhecimento da impunidade dos agentes do Estado”, defende o advogado e integrante da Comissão José Carlos Dias.
O advogado José Paulo Cavalcanti Filho foi voz isolada na comissão. Ele considera que o Supremo pacificou a questão.
“Eu estudei com enorme cuidado a decisão do Supremo Tribunal Federal, foi decidido com larga maioria, sete dois, e sou advogado e estou absolutamente de acordo com a decisão, acho que é uma decisão tecnicamente correta. Mas não dou maior importância. Eu prefiro destacar na comissão a busca da convergência”, afirma o advogado e integrante da Comissão José Paulo Cavalcanti Filho.
No discurso, a presidente Dilma disse que é importante reconhecer os acordos que permitiram ao Brasil fazer a transição da ditadura de volta à democracia.
“Assim como respeitamos e reverenciamos, e sempre o faremos, todos os que lutaram pela democracia, todos que tombaram nesta luta de resistência enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nós jamais poderemos deixar de enaltecer esses lutadores e lutadoras, e também reconhecemos e valorizamos os fatos políticos que nos levaram à redemocratização”, diz a presidente Dilma Rousseff.
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, voltou a defender a lei da anistia. “Anistia é, acima de tudo, esquecimento. É perdão em seu sentido maior. E mostrou-se naquela época de transição do regime de exceção para o regime essencialmente democrático, mostrou-se o viável. E também ela tem contornos bilaterais. Ela beneficiou, realmente, agentes da repressão, mas beneficiou também agentes que eram tidos à época como subversivos”, diz Marco Aurélio, ministro do STF.

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